Covenant Protestant Reformed Church
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Deus: Um Deus Pactual

por Prof. Herman Hanko

 

Deus é um Deus pactual. O maior fundamento para o pacto da graça deve ser encontrado na verdade que Deus vive uma vida pactual em si mesmo, à parte das criaturas que criou.

Deus é triúno. Isto é, Deus é um em essência e três em pessoa. Esta doutrina central e importantíssima da igreja tem permanecido como a rocha inamovível sobre a qual toda a verdade é baseada. E esta trindade é a principal razão pela qual Deus é um Deus pactual e vive uma vida pactual dentro de si mesmo. Sem a realidade da trindade, o pacto seria impossível.

Que Deus é um em essência significa que há somente um Deus, um Ser divino, uma essência divina. Há em Deus somente uma mente e uma vontade, uma vontade divina, uma vida divina. Todos os atributos de Deus são atributos da essência e, portanto, do próprio Deus.

Todavia, embora Deus seja um em essência, ele é também três em pessoa. Dentro de Deus há três Egos distintos, três que dizem "Eu". Essas três pessoas são o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Não devemos ficar com a falsa impressão que esses três não são inteiramente distintos um dos outros até onde diz respeito às suas características pessoais e atributos. O Pai é pessoalmente distinto do Filho e do Espírito Santo, e o Filho é pessoalmente distinto do Pai e do Espírito Santo. E o que pode ser dito do Pai e do Filho pode ser igualmente dito do Espírito Santo. É verdade que eles vivem em uma unidade de essência. É verdade que eles possuem uma só mente e uma só vontade. Mas o Pai pensa como Pai; o Filho pensa como Filho; o Espírito Santo é pessoalmente distinto do Pai e do Filho em seu pensamento e vontade. E, todavia, eles pensam e desejam os mesmos pensamentos e desejos. A vida deles é uma; a alegria deles é uma; o propósito deles é um; há somente um Deus.

Sobre esta verdade da trindade descansa a verdade da vida pactual que Deus vive em si mesmo.

Deus não é o Alá Maometano que é somente uma força impessoal e estática, com a qual uma pessoa deve contar. Deus é triúno. E porque ele é triúno, ele é o Deus vivo, vivendo uma vida perfeita e completa dentro de si mesmo. Esta vida que ele vive é plena e bendita. Ele não precisa de ninguém, nem mesmo das suas criaturas, para tornar sua vida mais plena ou rica. A criação não pode adicionar algo à sua glória e felicidade. Nenhuma criatura pode enriquecer aquele que é todo-suficiente. Ele é perfeito, santo, eternamente bendito, puramente feliz em toda sua vida.

Isso é verdade porque ele vive uma vida pactual dentro de si mesmo. E essa vida pactual que Deus vive dentro de si mesmo é a associação e comunhão que ele desfruta dentro de si mesmo na unidade de essência e trindade de pessoa da Divindade. Há associação e ela pode ser perfeita somente porque há uma perfeita unidade de essência inerente na vida de Deus. Mas ao mesmo tempo, há e pode haver associação e comunhão somente porque há uma trindade de pessoa. Se Deus fosse um em essência e um em pessoa, tal comunhão seria impossível, pois comunhão implica uma pluralidade de pessoas. Se, por outro lado, Deus fosse três em pessoa e um em essência, a associação seria também menos que perfeita, pois a diferença em essência tornaria a plena associação impossível. Mas, pelo contrário, cada uma das três pessoas conhece as outras duas perfeita e completamente. E nessa unidade de essência há uma comunhão de essência e natureza, uma associação de vida e amor, uma felicidade transcendente que caracteriza a associação de Deus à medida que as três pessoas regozijam-se em sua mútua comunhão. Essa associação, felicidade suprema, comunhão de vida e amor é a vida pactual do próprio Deus.

Como dissemos, essa vida de Deus é plena e perfeita. O homem não pode enriquecer a vida de Deus de forma alguma. Deus não é incompleto sem o homem. Seria o cume da tolice e o ápice do orgulho pecaminoso dizer que o único Deus vivo e verdadeiro, o soberano dos céus e terra, o único que é infinitamente glorioso e eterno, precisa do homem para completar ou aperfeiçoar sua glória. Sua felicidade é plena; sua vida e amor são completos; sua glória é perfeita. Deus não precisa de nós; somente nós precisamos dele.

Essa verdade é claramente apresentada, por exemplo, em Isaías 40:12-18: "Quem na concha de sua mão mediu as águas e tomou a medida dos céus a palmos? Quem recolheu na terça parte de um efa o pó da terra e pesou os montes em romana e os outeiros em balança de precisão? Quem guiou o Espírito do SENHOR? Ou, como seu conselheiro, o ensinou? Com quem tomou ele conselho, para que lhe desse compreensão? Quem o instruiu na vereda do juízo, e lhe ensinou sabedoria, e lhe mostrou o caminho de entendimento? Eis que as nações são consideradas por ele como um pingo que cai de um balde e como um grão de pó na balança; as ilhas são como pó fino que se levanta. Nem todo o Líbano basta para queimar, nem os seus animais, para um holocausto. Todas as nações são perante ele como coisa que não é nada; ele as considera menos do que nada, como um vácuo. Com quem comparareis a Deus? Ou que coisa semelhante confrontareis com ele?".

Se perguntássemos a nós mesmos nesse ponto, "por que Deus criou o homem e estabeleceu seu pacto com seu povo?", então tocaríamos no próprio cerne da nossa relação com Deus em toda nossa vida. A resposta na qual chegaremos é uma resposta que pode apenas prostrar o filho de Deus no pó e cinza, diante da grandeza do Todo-poderoso. É somente por causa da bondade suprema e soberana de Deus, que nunca pode ser adequadamente explicada em linguagem humana ou entendida por meras mentes finitas, que Deus achou certo não somente criar os mundos, mas criar também um povo para amá-lo e participar de sua glória e bondade. Deus quis fazer assim! Mais que isso não podemos dizer.

Aqui tocamos um ponto essencial em nosso entendimento da doutrina do pacto da graça.

Deus não pode ser conhecido por quaisquer esforços que o homem produza. Porque ele é tão grande e tão infinitamente exaltado acima de tudo desta sua criação, ele é também desconhecido ao homem – à parte da revelação. O abismo profundo e amplo que separa Deus do homem é um abismo que não pode ser transpassado pelo homem nem cruzado pelos esforços da criatura. Deus habita numa luz inacessível ao homem. Ele é o Deus invisível que é grandemente exaltado. Os céus são o seu trono e a terra o estrado dos seus pés. Se, portanto, ele há de ser conhecido pela criatura, será conhecido somente porque se fez conhecido através da sua própria revelação. Se é possível para nós conhecê-lo de alguma forma, é somente porque ele se revelou para nós duma forma que podemos entender e apropriar para nós mesmos.

Em outras palavras, se Deus é conhecido de alguma forma, isso pode ser somente pela maravilha impressionante de uma revelação que revela a verdade do Deus infinito, e, todavia, revela-a de uma forma que o homem pode entender. Deus jamais pode ser conhecido por nossos poderes de razão e intelecto, nem pela força encontrada no homem; nem pela investigação científica ou pelos melhores esforços do homem. O único caminho é o homem se curvar em humildade diante da Palavra de Deus, e orar para que seus esforços para penetrar as maravilhas dessa Palavra possam ser abençoados por seu Pai no céu. Nessa Palavra está contida toda a verdade da trindade, a verdade de todas as perfeições gloriosas de Deus, a verdade de sua gloriosa vida pactual, a verdade do eterno pacto da graça.

E assim, falar do pacto da graça é falar de revelação. Toda revelação é Deus falando sobre si mesmo. Quer estejamos agora falando da "revelação" de Deus na criação, em Cristo, ou nas Escrituras como o registro infalível de Deus em Cristo, ela é sempre Deus falando. E Deus fala somente de si mesmo. Assim também é com sua revelação do pacto da graça. Essa revelação é Deus falando de si mesmo, particularmente da vida pactual que ele vive em si mesmo. Quando Deus revela sua vida pactual ao homem, então e somente então o pacto da graça é estabelecido com o homem.

Contudo, devemos lembrar que essa não é simplesmente uma revelação em palavras. Também, mas é mais que isso. Quando Deus estabelece seu pacto com seu povo, ele não o faz somente lhes falando sobre a vida pactual que ele vive dentro de si mesmo, mas ele revela sua vida pactual que vive dentro de si mesmo ao seu povo colocando-os na sua própria vida pactual. Ele faz com que os homens compartilhem a alegria e felicidade da sua própria associação. Ele dá aos homens uma prova da grandeza dessa comunhão e associação que ele desfruta em si mesmo.

Talvez uma ilustração torne isso mais claro. A vida pactual de Deus que ele vive dentro de si mesmo é uma vida "familiar". O Deus triúno é um Deus "familiar". Essa vida "familiar" é refletida em nossa própria vida familiar, onde há verdadeira associação pactual. Tal família é usualmente composta de um pai, uma mãe e seus filhos. Essa família desfruta a associação e comunhão de uma unidade de natureza e uma distinção de pessoas. Essa vida familiar, abençoada por Deus, é feliz e pacífica. Se essa família estivesse descendo uma rua de uma das nossas grandes cidades, eles poderiam se deparar com uma garotinha sem casa, que foi abandonada por sua família. A garotinha não tem pais, nem lar, amigos ou associação com alguém. Ela é pobre e subalimentada. Sua barriga está inchada devido à subnutrição. Suas roupas são trapos. Seu cabelo está cheio de piolho e emaranhado. Seu corpo está coberto de feridas cheias de pus. A família que está passando pode ficar com piedade dela e dizer entre eles mesmos que é realmente muito triste que essa garota não tenha idéia da alegria de uma vida em família. Nesse ponto, eles poderiam fazer duas coisas. Poderiam, no desejo de informar-lhe sobre as alegrias de uma vida familiar, se aproximar dela e contar sobre o lar que possuem. Isso certamente daria àquela garota certa idéia do que uma vida familiar abençoada pode realmente ser. Mas isso não faria absolutamente nenhum bem àquela garota. Eles poderiam dizer entre si também que a única forma de fazer essa garota entender plenamente o que uma vida familiar abençoada pode ser é levando-a para casa com eles, e fazer dela um membro da família. Assim, eles então a levariam para casa, dariam um banho de ducha quente nela, colocariam pomadas cicatrizantes em suas feridas, limpariam e penteariam seus cabelos, a trariam para mesa onde poderia ter um lugar com as outras crianças, e faria dela uma filha que compartilharia de um modo real todas as alegrias e bênçãos da família. Quando ela realmente soubesse de todo o seu coração que era amada e que se importavam com ela, que era um membro verdadeiro da família, então ela conheceria também qual é exatamente a benção de uma vida em família.

Essa é a revelação da vida pactual de Deus para nós. É uma maravilha que não poder ser descoberta de outra forma. Deus toma seu povo em sua vida familiar triúna. Ele livra-os dos seus pecados, lava-os da sua corrupção, alimenta-os com pão celestial, faz deles filhos e filhas – sendo o Pai celestial delas – e decreta que eles serão os herdeiros de sua herança eterna. Eles são levados para a vida pactual do Deus triúno. Pedro ousa dizer que somos realmente participantes da natureza divina (II Pe. 1:4).

Mas devemos lembrar que essa vida pactual que Deus vive em si mesmo é uma vida de associação e amizade. Quando por seu pacto da graça Deus nos leva à associação e amizade de sua própria trindade, esse é o pacto da graça estabelecido conosco através de Jesus Cristo. E assim, esse pacto é essa união de associação e amizade que Deus estabelece conosco através do seu Filho querido.

Entrar na vida de associação do próprio Deus permanecerá sendo eternamente a maravilha incompreensível da nossa salvação.

Fonte: God’s Everlasting Covenant of Grace, Herman Hanko, Reformed Free Publishing Association, p. 7-11.

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto / felipe@monergismo.com

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